segunda-feira, 3 de junho de 2019

Dançar na Cidade. Um caminho exemplar

Dançar na Cidade. Um caminho exemplar. 

Desde a alvorada da vida até ao seu Outono, a Dança está cada vez mais presente na vida social da cidade. Já não é, há muito, a parente pobre das artes performativas. É parte relevante da programação cultural das nossas salas. Na base dessa transformação qualificadora, está a Companhia de Dança de Almada, a Professora Maria Franco e o seu trabalho de formação e direção artística.  
  

Conheço a Companhia desde 1990. Era já um projeto profissional de dança apoiado pela Câmara Municipal de Almada, chamado ainda de Grupo de Dança de Almada, designação que manteve até ao final dos anos 90. Com o Grupo de Dança, representado pela sua fundadora e responsável artística, Professora Maria Franco, passei a reunir anualmente a fim de conhecer, debater a aprofundar o seu projeto artístico.  

Temos 28 anos de encontros, contactos, reuniões, assistências a espetáculos, tempo que me permitiu o acompanhamento do crescimento e consolidação de um projeto que é hoje um justo motivo de orgulho da cidade cultural que somos e uma referência da dança contemporânea em Portugal. 28 anos de dificuldades superadas, de afirmação no contexto da dança nacional, um caminho de grande seriedade e coerência, de visão avançada, de propósitos de excelência, de audácias concretizadas, de sonhos cumpridos. 
Desde a primeira hora, a Professora Maria Franco habituou-nos à rigorosa apresentação de projetos, coerentemente concebidos, ao planeamento anual cirúrgico, à fundamentação pormenorizada dos pedidos de subsídios que apresentava. São verdadeiramente exemplares as peças descritivas relativas aos planos de atividades e orçamentos, bem como os relatórios e contas dos exercícios. Já o eram nos anos 90. São-no por maioria de razão, atualmente. 

Desde a primeira hora, a questão das instalações definitivas – muitos anos antes de as vir a obter – a defesa de um orçamento anual que garantisse o pagamento dos bailarinos, a existência de uma equipa técnica, a aquisição anual de equipamento técnico que contribuísse para a autonomia do Grupo, o funcionamento de uma exigente escola de formação, a necessidade de apoios para a circulação dos espetáculos, elementos que configuravam uma visão avançada e percursora, foram temas recorrentes das abordagens conjuntas. Eram os temas, os temas necessários, os temas que o crescimento e consolidação da nossa Companhia, tornavam incontornáveis nos diálogos entre a Administração Local e aqueles que melhor sabem de Dança no concelho. 
Os assuntos que desde a primeira hora nos habituámos a tratar anualmente – Apoio à produção, apoio à aquisição de equipamento, apoio à realização da Quinzena da Dança, a utilização das salas municipais de espetáculo para apresentação da suas criações, apoio na procura de instalações que garantissem a continuidade da Companhia e da sua escola – foram sendo extraordinárias oportunidades de aprendizagem para o vereador da Cultura que tive o privilégio de ser durante todos estes anos.  Fui debatendo com a Professora Maria Franco a necessidade de substancial subida dos valores para a produção no sentido de atingir patamares que garantissem efetivamente a consolidação do projeto profissional de dança. Os nossos debates de 1992 e os 2 000 contos, além dos quais não pode, nesse ano, a Câmara ir, até aos 7 500 nos anos dos “contos”, insuficientíssimos, mas “multiplicados” por uma tenaz perseverança da Professora e da sua equipa, até aos valores estabilizados no final da primeira década do século na dimensão aproximada aos apoios de hoje. Todos os anos, este debate, todos os anos o nosso diálogo enriquecedor, todos os anos falar da Dança, sempre a dança, conversada entre a equipa da Companhia e a equipa da Câmara que eu dirigia. 
Relembro os nossos debates de princípio do ano 2000 e as necessidades do reforço de financiamento para o novo projeto de um Festival Internacional de Dança, e o novo salto que foi possível dar. 

Segui este exaltante caminho de crescimento, pontuado de momentos marcantes para a Companhia, mas também para a cidade. Tantos foram, que neste breve apontamento se torna impossível referi-los. Apenas uma breve referência a alguns: O convite a coreógrafos estrangeiros que vinham ensinar, coreografar e produzir programas como foi o 2º programa do ano 2000 , os primeiros protocolos de colaboração artística internacional, o enorme êxito do espetáculo em Espanha em 2002, a residência artística na Suíça em Fevereiro de 2003, as idas ao Brasil e a Cabo Verde em 2002, os parcerias com companhias checa, croata, e festivais em França e em Itália, pouco tempo depois, a consolidação dos programas de circulação internacional na segunda década do século. 

A Companhia trabalha hoje para todo o espetro etário, com e para as crianças, com as escolas, com e para os jovens adolescentes, para os cidadãos seniores. Desde a alvorada da vida até ao Outono da mesma, a Dança está cada vez mais presente na vida social da cidade. Já não é, há muito, a parente pobre das artes performativas. É parte relevante da programação cultural das salas de Almada. Há um programa de criação de públicos concebido e concretizado com saber e estratégia, onde não falta uma política de comunicação moderna, ágil, multimeios. 

A Companhia de Dança não pára de celebrar parcerias. Para além das Juntas de freguesia do concelho, algumas das grandes instituições nacionais de cultura (F. Gulbenkian, Instituto Camões, Instituto Cervantes, CCB, …), instituições privadas do foro cultural – sempre crescendo, criando redes, alargando a sua base de trabalho. 

Com o novo centro de Dança de Almada – registe-se para melhor e posterior desenvolvimento, a ação fulcral da ex-Presidente Maria Emília de Sousa, uma grande defensora e apoiante da Companhia, na concretização deste projeto nas Instalações sociais da Academia Almadense, numa obra integralmente financiada pela Câmara Municipal e que contou também com um grande empenho desta Instituição centenária – A CDA e a sua escola dão um novo salto em frente. Cresce, em quantidade de alunos e bailarinos, e reclama já hoje mais espaço de trabalho. Precisa desse espaço. E merece-o. Bem como precisa, e merece, ter mais espaço nos equipamentos municipais para apresentação dos seus espetáculos. Esta última questão, permanentemente abordada nos nossos diálogos de 28 anos, talvez constitua o meu maior insucesso. Fiquei sempre aquém das necessidades de salas para apresentação de espetáculos pela Companhia. Tentei. Mas fiquei aquém. Ficarei agradecido à Professora Maria Franco se ela relevar o fracasso relativo das minhas diligências. Há, pois aqui, um caminho a percorrer também. 

Contar esta pequena história – não é a síntese de um relatório, é tao só, o resultado do exercício de busca em cantos da memória pessoal onde ficam as marcas – é lembrar também cúmplices de diálogos que ficaram a marcar um caminho. Apenas alguns de entre vários. Do lado da Companhia, a Nasciolinda. Do lado da Câmara, a Teresa Pereira. Estes, em reuniões e diálogos diversos. A Professora Ana Macara, em tantos projetos e Quinzenas. 

A Companhia de Dança transformou o panorama das artes performativas em Almada e na região. A Professora Maria Franco foi, é, e estou certo, será a responsável primeira por essa transformação qualificadora. Mas não foi só a cidade que mudou. Nós também mudámos com a cidade e com o acompanhamento que tivemos o privilégio de assegurar a este projeto.  

Pessoalmente, fiz-me vereador da cultura, numa espécie de formação em exercício, no acompanhamento de projetos assim. Sou devedor. Como a cidade é devedora da notável ação da nossa Companhia. Temos todos – cidade e tantos de nós – uma dívida de gratidão em relação à Professora Maria Franco. 
Senhora Professora Maria Franco, 
Amigas e amigos da Companhia de Dança de Almada, bem hajam pelo que têm dado à cidade cultural que somos. Almada não seria a mesma sem o vosso trabalho. 
Calorosas saudações de estima pessoal, 

António Matos, 
Vereador da Câmara Municipal de Almada, 2017/2021 
Vereador da Cultura de Fevereiro de 1990 a Outubro de 2017